dieta na gravidez

Boa alimentação da gestante para o equilíbrio da criança

O que vai no prato das grávidas tem impacto a longo prazo nas habilidades motoras dos filhos. Estudo mostra que dieta inadequada triplica o risco de transtornos motrizes nas crianças

Alimentos in natura, como frutas e legumes, devem fazer parte do cardápio da gestante, especialmente no início da gravidez
 -  (crédito: StockCake/Divulgação )
Alimentos in natura, como frutas e legumes, devem fazer parte do cardápio da gestante, especialmente no início da gravidez - (crédito: StockCake/Divulgação )

As escolhas alimentares da gestante, principalmente no início da gravidez, vão impactar a longo prazo o neurodesenvolvimento do filho. Um estudo da Universidade de Turku, na Finlândia, constatou que a dieta materna no primeiro trimestre influencia a motricidade — execução dos movimentos, coordenação e equilíbrio — da criança até os 6 anos. A pesquisa foi publicada na revista Clinical Nutrition Espen e, segundo especialistas, reforça a importância do controle do peso e da alimentação saudável no planejamento da gestação. 

No estudo, 159 pares de mães e filhos foram acompanhados desde o início da gravidez até o fim da primeira infância. Todas as mulheres tinham sobrepeso ou obesidade. A ingestão alimentar durante toda a gravidez foi avaliada por meio de um questionário sobre consumo de peixe, e os padrões alimentares, divididos em duas categorias — saudáveis e não saudáveis — foram determinados a partir de diários preenchidos pelas voluntárias. 

As participantes e seus filhos foram acompanhados em duas fases do estudo e até 6 anos depois do nascimento do bebê. As crianças foram testadas quanto à motricidade, incluindo habilidades motoras finas (movimentos curtos e precisos realizados com mãos, pés e dedos) e grossas (movimentos que envolvem grandes grupos musculares, como braços, pernas e tronco). Houve, ainda, avaliação sobre o equilíbrio e a coordenação. 

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Prevalência

De todas as crianças participantes, 14% foram diagnosticadas com transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) aos 5 e 6 anos. Esse número é quase três vezes maior do que a prevalência média do distúrbio na população infantil em geral.

Kirsi Laitinen, pesquisadora do Instituto de Biomedicina da Universidade de Turku e coautora do artigo, explica que o TDC caracteriza-se pelo atraso no desenvolvimento das habilidades motoras — crianças com o transtorno têm dificuldade para controlar o movimento, como segurar objetos, escrever, desenhar e praticar esportes, entre outros. Embora a capacidade intelectual não seja afetada, a autonomia e o desempenho na escola, em casa e nas atividades sociais são prejudicados. 

Já as crianças cujas mães adotaram uma dieta mais saudável no início da gestação apresentaram o desenvolvimento motor normal. Além disso, o consumo de peixe pela grávida foi relacionado a melhores habilidades motoras finas e grossas. A alimentação apropriada incluiu alimentos in natura, como vegetais e frutas, além de grãos integrais. 

Outra constatação da pesquisa é que, quanto maior o percentual de gordura da mãe, maior o risco de desenvolvimento de TDC aos 5-6 anos. Não foi encontrada associação com índice de massa corporal nem diabetes gestacional.

"Direcionar a orientação nutricional pré-natal para mulheres com sobrepeso ou obesidade antes da gravidez beneficia as próprias mães, ao mesmo tempo em que apoia o desenvolvimento motor futuro de seus filhos", afirma Laitinen, que lidera o Grupo de Pesquisa em Nutrição e Saúde na Primeira Infância da Universidade de Turku.

Para Viviane Castro, nutricionista da Clínica Renoir, em Brasília, a adoção de hábitos saudáveis tem de anteceder bastante a gravidez. "A programação da gestação saudável deveria iniciar um ano ou seis meses antes da gestação", diz. "A futura mamãe precisa corrigir seus hábitos alimentares se estiverem inadequados para fornecer os nutrientes certos em cada etapa do seu bebê. Em muitos casos, a suplementação de vitaminas e minerais de forma individualizada se faz necessário para silenciar futuras doenças em bebês", ensina. 

Início

Embora os cuidados com a alimentação sejam necessários durante toda a gravidez, o início da gestação tem um impacto fundamental no desenvolvimento do feto, explica Matheus Beleza, ginecologista, obstetra e diretor médico da Maternidade Brasília, Rede Américas. "O primeiro trimestre é a fase em que a grande maioria dos órgãos e estruturas iniciará sua formação, tornando a demanda por nutrientes ainda mais importante. A falta ou deficiência de algum desses nutrientes poderá acarretar danos graves com repercussão durante toda a vida."

Ele recomenda um cardápio diversificado, com poucos alimentos industrializados e processados. "Frutas, verduras e legumes são sempre bem-vindos. Alimentos ricos em vitamina B12, cálcio, ferro e vitamina D, são alguns dos prioritários durante o pré-natal", elenca o médico.

Para Tatianna Ribeiro, obstetra da Clínica Rehgio, em Brasília, o estudo finlandês traz importantes implicações práticas. "Ele mostra que cuidar da alimentação desde o início da gestação pode beneficiar não só a saúde da mãe, mas também o desenvolvimento neuromotor do bebê", diz. "O controle do peso e da composição corporal devem ser avaliados antes mesmo da gestação, como aconselhamento pré-concepcional."

Segundo a obstetra, embora realizada com mulheres acima do peso, a pesquisa se aplica a qualquer gestante. "Os benefícios de uma alimentação saudável na gestação valem para todas. O cérebro do bebê precisa dos mesmos nutrientes, independentemente do peso da mãe."


Três perguntas para Caroline Romeiro, docente de graduação e pós-graduação da Universidade Católica de Brasília (UCB). É mestra em Nutrição Humana e especialista em Nutrição Clínica

Os cuidados com a alimentação são mais importantes no início da gravidez?

Os cuidados com a alimentação no início da gravidez são fundamentais. O estudo destaca que a nutrição materna nas primeiras semanas de gestação pode influenciar significativamente o desenvolvimento motor do bebê. Isso ocorre porque, nesse período, estão se formando estruturas essenciais do sistema nervoso e muscular do feto. Uma alimentação equilibrada e rica em nutrientes nesse estágio inicial pode contribuir para um desenvolvimento neurológico e motor mais saudável da criança. O estudo evidenciou que uma dieta saudável no primeiro trimestre — caracterizada por alta ingestão de vegetais, frutas, cereais integrais, peixes e gorduras saudáveis — está associada a melhores escores de coordenação motora em crianças. Isso reforça a necessidade de atenção nutricional precoce, inclusive antes da concepção. Além disso, os autores concluíram que um padrão alimentar mais saudável durante toda a gestação favorece o desenvolvimento motor infantil.

O estudo traz alguma implicação prática para gestantes?

Sim, o estudo reforça a importância de uma alimentação adequada e saudável desde o início da gestação. Isso implica que gestantes devem receber orientações nutricionais precoces, antes mesmo da concepção, para garantir que estejam consumindo os nutrientes necessários para o desenvolvimento saudável do bebê. A conscientização sobre a importância da nutrição nesse período pode levar a melhores desfechos no desenvolvimento motor e geral da criança. Considerando isso, mulheres em idade fértil que desejam engravidar já podem procurar orientações e fazer ajustes na dieta com esse objetivo.

Embora tenha analisado mulheres com sobrepeso, os resultados poderiam ser generalizados para outras gestantes?

Sim, os princípios destacados sobre a importância da nutrição no início da gestação são aplicáveis a todas as gestantes. Independentemente do peso, uma alimentação saudável e rica em nutrientes é essencial para o desenvolvimento saudável do bebê. O mecanismo fisiológico de como a dieta influencia o desenvolvimento neurológico e motor é relevante em todos os contextos nutricionais. No entanto, é importante considerar que mulheres com diferentes condições de saúde podem ter necessidades nutricionais específicas, e o acompanhamento individualizado feito por um nutricionista especialista em Nutrição Materno Infantil é recomendado nesses casos. O estudo destaca, ainda, que intervenções nutricionais precoces podem ter papel relevante na redução de desigualdades no desenvolvimento infantil. (PO)

 

IMC dos pais afeta o peso da criança até os 10 anos 

Uma pesquisa apresentada no Congresso Europeu sobre Obesidade, em Málaga, na Espanha, destaca a importância de famílias com adiposidade ou sobrepeso melhorarem o índice de massa corporal antes de planejarem uma gravidez. O estudo australiano constatou que quanto maior o IMC de uma mulher durante a gestação, maior o peso do filho, desde o nascimento até os 10 anos.

Isso ocorreu independentemente de a mulher ter participado de uma intervenção alimentar e de estilo de vida durante a gravidez ou ter recebido cuidados pré-natais padrão. Os pesquisadores também relataram que o IMC do pai influencia significativamente o peso da criança aos 10 anos.

O estudo LMIT envolveu 2.121 gestantes com sobrepeso ou obesidade. Metade delas recebeu aconselhamento e apoio para uma alimentação saudável, como ingerir mais frutas e fibras e reduzir o consumo de carboidratos refinados e de gordura saturada, além de aumentar a atividade física. As outras participantes tiveram cuidados pré-natais padrão.

Complicações

“Mulheres com sobrepeso ou obesidade correm maior risco de complicações na gravidez, como diabetes gestacional, pressão alta, parto cesáreo e alto peso ao nascer, e de que seus filhos desenvolvam obesidade”, afirma Jodie Dodd, pesquisadora da Universidade de Adelaide, principal autora do estudo. “Com aproximadamente 50% das mulheres entrando na gravidez com sobrepeso ou obesidade, o estudo foi realizado para verificar se mudanças na dieta e na atividade física durante a gravidez poderiam reduzir esses riscos.”

Dodd examinou o efeito do IMC materno no início da gravidez sobre o peso na infância e outras medidas de desenvolvimento registradas ao nascer e aos 6 meses, 18 meses, 3-5 anos e 8-10 anos. Os pesquisadores constataram que o crescimento da criança estava associado ao índice de massa corporal da mãe no início da gestação. Cada aumento de 5 kg/m² no IMC da mulher relacionou-se a 0,11 kg/m² a mais no IMC do bebê ao nascer, e 0,74 kg/m² aos 8-10 anos.

O efeito do IMC materno tornou-se mais proeminente aos 3-5 anos e foi particularmente perceptível aos 8-10 anos. Além disso, o índice de massa corporal paterno impactou o peso da criança, particularmente nesta segunda faixa etária.

“Se o IMC de uma mulher for maior no início da gravidez, o risco de sobrepeso e obesidade do seu filho também aumenta. Os homens também têm um papel a desempenhar, visto que o IMC paterno também contribui para a obesidade infantil”, observa Dodd. “É vital que os profissionais de saúde se concentrem em aconselhar as mulheres e suas famílias para melhorar sua saúde e peso antes da gravidez, se quisermos intervir e reduzir o ciclo intergeracional da obesidade.” (PO)

 

 

 

 

postado em 29/06/2025 06:00
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