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Sem medo do rótulo, Lucas Drummond mergulha nas narrativas LGBTQIAPN+

Ator, produtor e dramaturgo carioca se destaca em histórias que abordam humanidades da comunidade queer

Lucas Drummond, ator, produtor e autor -  (crédito: Julio Aracack)
Lucas Drummond, ator, produtor e autor - (crédito: Julio Aracack)

"A arte é um espelho da sociedade, com toda a sua complexidade, multiplicidade e diversidade." A frase de Lucas Drummond, 33 anos, resume sua trajetória. Ator, produtor e dramaturgo, ele estreia como protagonista no cinema em Apenas coisas boas, filme de Daniel Nolasco (Vento seco), que, neste Mês do Orgulho, estreou no Festival de Guadalajara (México), foi premiado em Curitiba e exibido em San Francisco (EUA). Mas sua história não se limita às telas: é sobre representação, resistência e a urgência de narrativas que celebrem a pluralidade LGBTQIAPN+.

Nascido no Rio de Janeiro, Lucas Drummond carrega no currículo participações em séries como Todxs nós (HBO) e Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente (HBO Max), esta última baseada no contrabando de remédios para aids nos anos 1990. Seu curta Depois daquela festa, sobre um pai que se assume gay para o filho, circulou por 62 festivais em 26 países. Agora, em Apenas coisas boas, ele encarna um personagem que, segundo adianta, "desafia a solidão afetiva em um Brasil interiorano".

Em entrevista, Drummond fala sobre a importância de ver pessoas como ele na cultura: "Minha geração cresceu sem pertencimento. Era raro se ver representado. Hoje, séries como Heartstopper mostram que jovens LGBTQIAPN+ são normais, lindos e dignos de amor."

Para Lucas, interpretar personagens queer nunca foi sobre reduzir identidades a clichês. Em Todxs nós, ajudou a introduzir o debate sobre não binariedade para o grande público — inclusive para sua própria mãe. Já em Máscaras de oxigênio, mergulhou na história real de comissários que arriscaram vidas para salvar outras durante a epidemia de aids. "São projetos diferentes, mas todos mostram que somos mais do que nossa sexualidade. Somos humanos, com contradições e histórias universais."

Questionado sobre o risco de ser "rotulado", ele é enfático: "Alguns atores têm medo disso. Eu não. Busco personagens complexos, que me desafiem. Se forem LGBTQIAPN+, ótimo. Mas o que importa é a história."

Lucas Drummond em "Apenas coisas boas" com Liev Carlos
Lucas Drummond em "Apenas coisas boas" com Liev Carlos (foto: Divulgação)

Lucas não esperou portas se abrirem — criou as próprias. Em 2015, começou a produzir seus projetos para fugir da inércia do mercado. "A auto-produção é libertação. Você não fica refém do telefone que não toca." Essa postura rendeu frutos: seus trabalhos independentes chamaram a atenção da indústria, gerando convites para outros projetos.

Em 2025, além do cinema, prepara o espetáculo O formigueiro, sobre três irmãos reunidos pela doença da mãe, e Jantar entre estranhos, comédia que explora o choque geracional entre casais gays. "Quero falar de amor, família e envelhecimento LGBTQIAPN+. São temas ainda pouco explorados."

Apesar dos avanços, Drummond reconhece que o caminho é longo. "O cinema queer ainda é visto como nicho. Precisamos normalizar essas narrativas, sem reduzi-las à sexualidade." Entre seus inspiradores, cita o canadense Xavier Dolan e os brasileiros Daniel Nolasco e Marcelo Caetano, que retratam afetos marginais com poesia. 

Seu sonho? "Contar histórias que ecoem. Que um adolescente no interior veja meus trabalhos e pense: 'Eu não estou sozinho'." 

  • Lucas Drummond, ator, produtor e autor
    Lucas Drummond, ator, produtor e autor Julio Aracack
  • Lucas Drummond, ator, produtor e autor
    Lucas Drummond, ator, produtor e autor Julio Aracack

Confira trechos da entrevista:

Representatividade

"A arte é um espelho da sociedade. Era raro me ver representado nos produtos da indústria cultural. Isso afeta muito o processo de compreensão e aceitação da nossa identidade. Crescemos aprendendo a nos esconder e omitir os nossos desejos e sentimentos para pertencermos. Para sermos amados e aceitos."

Personagens diversos

"Cada projeto traz uma particularidade. Todxs nós ensinou sobre não binariedade, enquanto Depois daquela festa inverteu a lógica da revelação sexual. São histórias que criam identificação e inspiram pessoas."

Vivência e escolhas

"Não tenho medo de ser marcado por interpretar personagens LGBTQIAPN+. Busco histórias e personagens complexos, com os quais me identifico, independentemente da sexualidade."

Produção e autoria

"Comecei a produzir por necessidade, mas descobri que a auto-produção é libertação. Ela me permite escolher meus papéis e criar oportunidades sem depender apenas de convites."

Inovação nas narrativas queer

"Muitos dos meus roteiros acabam tendo personagens LGBT porque eu sou gay e quero dar visibilidade às nossas questões. Mas isso não é uma regra. Atualmente, também estou desenvolvendo projetos que não são queer."

Desafios do mercado

"No mainstream, a falta de autonomia ou ficar limitado ao que um canal ou plataforma aceita ou julga que é bom ou ruim costuma ser um grande desafio. Por outro lado, você consegue falar com muita gente. Já no lado autoral, mais independente, você tem muito mais liberdade."

Resistência e protagonismo

"Graças ao universo, nunca enfrentei nenhuma situação de preconceito ou resistência por trazer protagonismo a personagens LGBT. Como sempre fui abertamente gay, isso nunca foi uma questão na minha trajetória, o que, de certa forma, sempre me deu muita liberdade."

Cenário cultural brasileiro

"Acho que estamos começando a retratar, principalmente na grande indústria, personagens LGBT com mais camadas, mais questões, mais profundidade. É um bom começo. Mas só um começo."

Inspirações artísticas

"Admiro Xavier Dolan pela ousadia, Daniel Nolasco pela beleza crua e Marcelo Caetano (Baby) pelo afeto. O Brasil tem artistas queer incríveis fazendo trabalhos necessários."

 


postado em 27/06/2025 20:22
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