
A vereadora Jessica Lemonie, do PL de Santa Catarina, criticou, em reunião ordinária da Câmara Municipal de Itapoá, a presença do clássico da literatura brasileira Capitães da areia no currículo escolar do município. De acordo com a parlamentar, a obra de Jorge Amado publicada pela primeira vez em 1937 romantiza temas como “marginalização infantil” e abuso sexual e não seria apropriada para a faixa etária a que é destinada nas instituições de ensino.
"Uma obra romantizada pelo autor que aborda a marginalização infantil de forma a sensibilizar e causar comoção", descreveu Lemonie ao compartilhar vídeo do discurso nas redes sociais.
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De acordo com a vereadora, o livro é trabalhado com alunos dos sétimos e oitavos anos do ensino fundamental da rede municipal, cuja faixa etária varia entre 12 e 13 anos. O Correio entrou em contato com a Secretaria de Educação da cidade para obter a lista das obras literárias utilizados e aguarda retorno a fim de confirmar a informação.
No discurso, a parlamentar insiste que Capitães da areia é classificado para maiores de 18 anos em “livrarias e sites” e que “a classificação dele divulgada e oficial é de 14 anos”. Segundo ela, essa seria “uma maneira que o governo federal, que a esquerda tem de introduzir a literatura brasileira, isso, que é entendido por eles como material para ser trabalhado em sala de aula”. Em Itapoá, o prefeito é Jeferson Rubens Garcia, do MDB, e o vice é José Maria Caldeira, do Republicanos.
Livros não têm classificação indicativa oficial no Brasil perante o site do Ministério da Justiça e Segurança Pública. No portal público sob domínio da pasta do governo em que é possível consultar classificações, estão disponíveis informações referentes a “filmes, séries, programas e novelas” e “jogos eletrônicos, aplicativos e RPG (jogos de interpretação de papéis)”.
Na primeira categoria, a busca por Capitães da areia resulta em três títulos: dois trailers com classificação indicativa de 10 anos, uma peça de teatro recomendada para maiores de 12 e um longa-metragem para 14. Nenhum deles diz respeito ao livro de Jorge Amado, uma vez que literatura não é passível de classificação oficial.
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Ainda assim, escreve a vereadora na publicação que "a classificação indicativa deve ser respeitada" e que o conteúdo da obra "não é apropriado para crianças de 12 anos". Isso devido ao fato de o livro "promover a marginalização infantil" e de o autor, um dos mais consagrados da literatura brasileira, ser "comunista".
"É isso que nós estamos ensinando para as nossas crianças", afirmou, durante a sessão realizada em 16 de junho. Em determinado momento do discurso, ela diz que é interrompida pelo assessor do vereador Marcio José, do PSD: “Se o senhor é a favor ou não do comunismo, se o senhor concorda ou não com essa leitura, é a critério do senhor, mas nós temos que respeitar os pais que estão aqui e estão defendendo o que está sendo passado para seus filhos”.
Lemonie reforça que não é contra a obra — a qual afirma que “talvez, sim, seja uma leitura boa” —, uma vez que é tema de vestibulares. “Eu espero que tenha na biblioteca municipal, só que esse tipo de material é para um adulto”, argumenta. “Esse tipo de material é para quem quer buscar esse conhecimento ter ele (sic.) à disposição, não para os alunos de 12 e 13 anos na sala de aula como matéria avaliativa, tendo que discutir sobre isso.”
Ela lê, na sessão, um trecho que narra uma cena de violência sexual e afirma que vê expressão de vergonha no rosto dos vereadores a quem comunica. “O livro fala sobre racismo, romantiza o estupro, a relação sexual de adultos com crianças”, finaliza. “Quero que fique aqui um apelo à secretária de Educação: tem outros livros, outro material, outra literatura brasileira que pode ser discutida em sala de aula e ensinada para nossas crianças. Sim, um livro antigo que retrata, sim, a realidade da Bahia, mas não precisa ser discutido entre as nossas crianças.”
Na publicação nas redes sociais, ela complementa que o apelo não se trata de “censura”, mas de “respeito” para com os alunos da rede de ensino do município. “Sigo trabalhando para a resolução deste atentado a nossas crianças, espero contar com a colaboração do executivo para que se retire das escolas da rede municipal o quanto antes.”
Em Capitães da areia, Jorge Amado retrata o cotidiano de um grupo de menores que vive em situação de rua na Bahia dos anos 1930. Como crianças abandonadas, os personagens são vulneráveis a violências e situações que remetem à vida do crime, a fim de que consigam sobreviver sem o auxílio de família ou do Estado.