Artigo

O remédio que a oncologia ainda não prescreve como deveria

Incorporar programas de suporte à atividade física na rotina da oncologia é investir em saúde com base em evidência

PRI-2206-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2206-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

GUSTAVO FERNANDES, médico oncologisa, vice-presidente de Oncologia da Rede Américas

Nunca fui um entusiasta dos exercícios físicos. Sempre me vi mais como leitor, interessado nas ideias e no pensamento, do que como alguém associado à atividade esportiva. Carregava — ou ainda carrego — talvez sem perceber, um preconceito enraizado: o de que a vida intelectual estaria em oposição à vida ativa. A ciência e a experiência, no entanto, vêm me desmentindo.

A compreensão de que a atividade física melhora não somente a saúde do corpo, mas também a da mente, é antiga, ainda que pouco enfatizada. Pensadores como Platão, que via na ginástica um pilar da formação humana ao lado da música, reconheciam esse valor. Aristóteles, por sua vez, via na moderação e no equilíbrio — inclusive, entre corpo e alma — a chave da virtude. A ciência atual parece apenas dar números ao que a filosofia intuía.

Mais recentemente, nas últimas décadas, ficaram evidentes os benefícios dos exercícios para a saúde cardiovascular, neurológica e cognitiva, além dos óbvios ganhos em mobilidade e bem-estar.

Sou oncologista há mais de uma década, atuando também em pesquisa e na gestão da saúde. Nesse período, acostumei-me a ver a medicina produzir fármacos sofisticados e terapias-alvo cada vez mais personalizadas. Mas poucos estudos impactaram-me tanto quanto o recém-publicado no New England Journal of Medicine, sobre os efeitos da atividade física estruturada em pacientes com câncer.

O estudo acompanhou 889 pacientes com câncer de cólon, tratados com cirurgia e quimioterapia, divididos aleatoriamente em dois grupos: um recebeu apenas orientações gerais de saúde; o outro participou de um programa estruturado de exercícios supervisionados e suporte comportamental durante três anos.

O resultado é impressionante: a prática regular de atividade física reduziu em 28% o risco relativo de recidiva e morte. Em termos absolutos, isso significa que, para cada 14 pessoas acompanhadas com o programa de exercícios, uma morte ou recidiva foi evitada. A sobrevida global também foi maior: 90,3% no grupo de exercício, contra 83,2% no grupo controle após oito anos. Trata-se de um benefício comparável — ou até superior — ao de muitos medicamentos aprovados.

É difícil ignorar a magnitude desse efeito. Estamos falando de uma intervenção de baixo custo e alto impacto. Se estimarmos 60 sessões com educador físico ao longo de cinco anos, mesmo com valores acima da média (R$ 200 por sessão), o investimento total por paciente seria de R$ 12 mil — o equivalente a um único ciclo de quimioterapia no setor privado.

Ainda assim, raramente os programas de atividade física são incorporados de forma sistemática ao cuidado oncológico. É comum encontrarmos, nos serviços especializados, espaço garantido para nutricionistas, psicólogos e fisioterapeutas — todos essenciais, sem dúvida —, mas quase nunca para o profissional de educação física. Vale lembrar: até hoje, nenhuma dessas abordagens demonstrou, de forma tão robusta, impacto em sobrevida. Faço, aqui, meu mea culpa como médico: muitos dos tratamentos que prescrevemos oferecem benefícios menores.

É hora de reconsiderar nossas prioridades. Se uma intervenção melhora a sobrevida, é nossa obrigação — como médicos, gestores e formuladores de política pública — tratá-la com a mesma seriedade que damos a qualquer droga antineoplásica.

E se o exercício funciona como tratamento, é sabido que também funcione como prevenção. O que falta agora é extrapolar esses dados com estudos em outros tipos de câncer e populações e, principalmente, colocar tudo em prática.

Não basta saber que exercício faz bem. É preciso criar estrutura para que os pacientes tenham acesso a esse cuidado. Incorporar programas de suporte à atividade física na rotina da oncologia é investir em saúde com base em evidência. E, convenhamos: salvar vidas com uma caminhada talvez seja a forma mais bonita de fazer medicina.

 

Por Opinião
postado em 22/06/2025 06:00
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