Artigo

Por que as feiras e bienais do livro importam, especialmente agora

Seu valor ultrapassa a esfera comercial: são oportunidades de formação de públicos críticos, que aprendem a valorizar a diversidade, o pensamento plural e o respeito às diferenças.

Bienal do Livro Rio  -  (crédito: Divulgação Bienal do Livro Rio / Filmart)
Bienal do Livro Rio - (crédito: Divulgação Bienal do Livro Rio / Filmart)

CARINA ALVES, doutora em educaçao e direora-presidente do Instituto Incuir

Quem caminhou por entre os corredores de uma feira ou bienal do livro sabe que aquele ambiente tem algo de encantamento coletivo. Ali, entre estandes repletos de obras para todos os gostos e idades, reencontramos o poder do livro como ferramenta de transformação social, cultural e afetiva. Mais do que eventos literários, as feiras e bienais são atos públicos de resistência, afirmação da diversidade e promoção do direito à leitura.

Em um país marcado por desigualdades históricas no acesso à educação e à cultura, esses espaços funcionam como pontes entre mundos muitas vezes apartados. Levar uma criança de escola pública a uma bienal não é apenas promover um passeio educativo; é possibilitar que ela se veja como leitora, cidadã, se reconheça como protagonista de sua própria história. É mostrar que a leitura não é privilégio, é direito. É também abrir portas para que jovens escritores, editoras independentes e autores periféricos tenham seu espaço de expressão e reconhecimento.

É nesses encontros que se descortinam novas vozes e narrativas, muitas vezes silenciadas pelo circuito comercial tradicional. A pluralidade cultural e a diversidade de linguagens são celebradas e ampliadas. Essa potência democratizadora é uma das razões centrais que justificam o investimento público e privado nesses eventos.

Além disso, é também nesses eventos que práticas inovadoras de inclusão ganham visibilidade e alcance. O projeto Literatura Acessível, do Instituto Incluir, nasceu do entendimento de que, para garantir o acesso universal ao livro, é preciso oferecer múltiplas formas de leitura, como Libras, audiodescrição, audiolivro, Braille, pictogramas. Foi essa abordagem que nos fez ser reconhecidos pela Unesco com o Prêmio Confúcio de Alfabetização, a primeira vez que uma instituição brasileira foi contemplada com essa premiação. Esse prêmio não pertence apenas a nós; ele pertence a todos que acreditam que literatura acessível é literatura para todos. E as feiras do livro são espaços fundamentais para apresentar essas inovações e sensibilizar o público para a importância da inclusão cultural.

 

Feiras e bienais do livro também são lugares de escuta e diálogo. É onde autores e leitores se encontram de maneira horizontal, trocando experiências, pontos de vista e afetos. É onde se debate o futuro da leitura, os desafios da educação, o papel das bibliotecas, a urgência da democratização do acesso ao livro. Em tempos de plataformas digitais e de consumo acelerado de informação, esses eventos lembram que ler é um ato que exige tempo, sensibilidade e presença. É uma celebração do contato humano em torno da palavra escrita, que muitas vezes se perde no ambiente virtual.

Além do aspecto cultural, há um impacto econômico e social importante. As feiras atraem milhares de visitantes, movimentam editoras, livrarias, autores, fornecedores e geram emprego e renda. Mas seu valor ultrapassa a esfera comercial: são oportunidades de formação de públicos críticos, que aprendem a valorizar a diversidade, o pensamento plural e o respeito às diferenças.

Outro aspecto simbólico poderoso é o livro como espaço de pertencimento. Quando uma criança negra encontra uma protagonista que se parece com ela, ou uma pessoa com deficiência reconhece suas vivências sem uma narrativa acessível, há um encontro que vai muito além da leitura. Há validação, espelho, identidade. As feiras e bienais do livro são, portanto, cenários de reparação simbólica e construção de futuros possíveis, onde se resgata a autoestima e se fortalece a cidadania.

A importância desses eventos, no entanto, não deve ser medida apenas por números de vendas ou de público, mas pelo impacto que geram nas subjetividades e nas trajetórias de vida. São sementes plantadas em terreno fértil, que florescem silenciosamente ao longo dos anos e, às vezes, em forma de vocações descobertas, outras vezes como resistência ao silenciamento imposto por uma sociedade excludente.

Por isso, é essencial que políticas públicas incentivem e descentralizem essas iniciativas, garantindo sua presença também em regiões periféricas, comunidades tradicionais e territórios onde o livro ainda não chegou como deveria. É preciso pensar nas feiras e bienais não como eventos elitizados, mas como instrumentos de equidade cultural, de acesso irrestrito à cultura e educação.

Ao celebrarmos esses espaços, reafirmamos nosso compromisso com a leitura como bem comum. E mais: com uma leitura que acolhe todas as vozes, todos os corpos, todas as línguas. Que seja falada com as mãos, ouvida com os ouvidos da alma, lida com os olhos do coração. Porque um país que lê — integralmente, coletivamente — é um país que se reconhece, se reconstrói e se reinventa.

 


postado em 24/06/2025 06:00
x
OSZAR »